Apresentação

Logo lá no início, pensei em como a arte nos permite entender melhor os acontecimentos, em como sua força expressiva nos torna capazes de compreender melhor a vida e conviver com o outro, mesmo nos momentos mais desafiadores. Foi uma construção paulatina, despretensiosa, com o único objetivo de amenizar os desafios impostos pela pandemia da Covid-19. Pouco a pouco, envolviam-se pessoas diversas a quem eu ia pedindo contribuições. À Gerente de Comunicação e Marketing do Unifeso apresentei a proposta de publicação semanal de um vídeo com a leitura de um poema. Ideia prontamente acolhida com a proposta de que fosse publicado no Instagram institucional. Forma embrionária, ainda não era uma série, sequer tinha nome. Em isolamento físico, trabalhando em home office, a leitura inaugural foi feita debaixo da pitangueira de casa, espaço acolhedor em meio à natureza, ao som do canto dos pássaros.

O dia inteiro perseguindo uma ideia:
vagalumes tontos contra a teia
das especulações, e nenhuma
floração, nem ao menos
um botão incipiente
no recorte da janela
empresta foco ao hipotético jardim.
(Claudia Roquette-Pinto, O dia inteiro)

Ao escolher o segundo poema, me dei conta de que aquele conjunto – poema, pitangueira, natureza, pássaros – remetia à vida em sua plenitude. Então surgiu o nome da série: Pitangas Poéticas. Se são pitangas, os poetas têm de ser brasileiros.

Obra em floração, aos poucos foram surgindo mais elementos.
A cada semana, era um prazer grande selecionar o poema, pensar no ponto onde gravar em ângulos diferentes da mesma árvore que, com o passar do tempo, ia se transformando como a vida renovada. A simplicidade dos vídeos (gravados no meu celular, hora por mim mesma, hora com a ajuda de outras pessoas) era enriquecida pelas vozes dos poetas de lugares diversos do país, alguns de Teresópolis.

Comecei a perceber que as pessoas estavam visualizando o trabalho e fazendo comentários elogiosos. Entretanto a efemeridade do Instagram acabava por restringir o acesso. Propus então ampliar as publicações ao Facebook e, em alguns momentos, convidei colegas da Feso para participarem comigo. As Pitangas Poéticas foram tomando forma.
A gaveta da alegria
já está cheia
de ficar vazia
(Alice Ruiz)
Mas... (sempre tem um mas) a pandemia não acabava. Adiávamos diuturnamente o dia seguinte. De adiamento em adiamento, de repente surgiu uma pergunta, um espanto, um estalo: Como será o Canto dos Poetas deste ano? A publicação já tradicional não poderia ser esquecida. Mas... (o conectivo que não para de nos provocar) como fazer? Drummondianamente, vinha a questão: E agora, José?
Bem... Canto havia; Poetas também. Claro! Era só compilar os vídeos e os transformar em livro.
Só??? Nada disso. Não é um trabalho simples. Era necessário o olhar e o fazer profissionais. Então incorporou-se a maestria profissional da Editora Unifeso, que nos brindou com o projeto gráfico.
Construção ampliada, criada em multiplicidade. Arquitetura a muitas mãos apaixonadas pela vida, pela arte, pelo traço humano que habita em nós.

...as coisas que acontecem, é porque já estavam ficadas prontas, noutro ar, no sabugo da unha; e com efeito tudo é grátis quando sucede, no reles do momento.
(João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

Vamos ouvir o Canto dos Poetas, em seu quarto volume, saboreando Pitangas Poéticas?

Ana Maria Gomes de Almeida

Gratidão a todos os que estão presentes neste livro!

Se os poetas não cantassem, o que teriam
os filósofos a explicar?
(José Paulo Paes, Álibi)

João Cabral de Melo Neto

Nordestino e diplomata, João Cabral de Melo Neto esteve sempre cercado de figuras ilustres como Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, seus primos. As influências de Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade acabaram enraizando em seu coração a chama pela poesia. Caracterizadas pelo rigor estético, suas obras alcançaram países de diversas línguas. Em Morte e Vida Severina - Auto de Natal Pernambucano, ilustrou em versos vorazes toda a saga de um retirante nordestino, como se conhecesse a fundo a vida e a morte de muitos Severinos.

Cecília Meirelles

Cecília Meireles queria apenas emocionar, encantar e levar o seu leitor a um mundo intimista e introspectivo, sem se preocupar em pertencer ou não a determinada escola literária ou educar por meio da poesia. Sua obra poética figura entre os grandes valores da literatura em língua portuguesa do século XX. Além de poetisa, atuou como ensaísta, cronista, jornalista, pintora e principalmente educadora. Carioca, sua obra tornou-se conhecida além do Brasil, tendo sido traduzida em várias línguas.

Mário Quintana

O gaúcho Mário Quintana teve uma longa e produtiva vida, passeando pelo jornalismo, pelas traduções de grandes obras literárias mundiais e pela poesia, arte que dominava como poucos. O lirismo e a singeleza de seus versos fizeram dele o “poeta das coisas simples”. Mestre da palavra, do humor e da síntese poética, Quintana fazia da vida e do cotidiano sua base de construção e, assim como a vida passa despretensiosamente sob nossos olhares, seus poemas despretensiosos conquistaram espaço e o gosto do brasileiro.

Manuel Bandeira

Quase sinônimo do modernismo brasileiro, o poeta pernambucano Manuel Bandeira tem uma das carreiras mais produtivas de sua geração. Entre tantas obras é possível perceber a constante presença da melancolia e do sofrimento, mas sempre impecavelmente aplicadas pelo uso das métricas que somente um experiente professor de literatura poderia fazê-lo. Toda essa dor vem dos muitos anos convivendo com a tuberculose, motivo pelo qual se mudou para Teresópolis e, na melancolia da Serra dos Órgãos, produziu por alguns anos. Adepto do verso livre, da linguagem coloquial, da irreverência e da liberdade criadora, seus principais temas foram o cotidiano e a melancolia.

Caetano Veloso

Músico, produtor, arranjador, poeta e escritor, o baiano Caetano Veloso é dono de uma das maiores produções intelectuais e poéticas de nosso país e tem usado toda essa criatividade e capacidade de construção poética para criar movimentos, tendências e renovar o ânimo latino-americano desde os anos 60. Possuidor de uma das personalidades mais polêmicas do Brasil, Caetano sempre expôs sua subversividade, e, muito por isso, sempre foi confundido como um militante de esquerda, coisa que, segundo ele, nunca foi. A força e carga poéticas de sua produção influenciaram diversas gerações artísticas mundo afora.

Gonçalves Dias

Em 1857, foi a saudade de casa que fez com que o maranhense Gonçalves Dias definisse em apenas dois versos aquilo que todos que visitam o país tentam entender: por que por aqui se é tão feliz? Dizia o poeta: “... Nossos bosques têm mais vida... Nossa vida mais amores”. O também jornalista, advogado, etnógrafo e teatrólogo Gonçalves Dias dedicou-se a exaltar o amor, enobrecer a tristeza, valorizar a saudade e desmistificar a melancolia. Por sua obra lírica, em que canta o amor, o índio, a natureza, a pátria e a religião, e épica, em que enaltece os feitos heróicos dos índios, é considerado o maior poeta da primeira fase do romantismo no Brasil.

Cora Coralina

A goiana Cora Coralina escolheu seu pseudônimo com a inspiração de um coração e toda a sua simbologia. Nascida Anna Lins, foi poeta e contista prodígio já que ainda aos quatorze anos de idade iniciou sua carreira literária e aos dezenove criou o jornal de poemas femininos A Rosa ao lado de duas amigas. Escritora das coisas simples, Cora sempre usou palavras doces para encantar. Doceira por amor, escreveu a maioria de seus versos nas horas vagas ou entre panelas e fogão.

Manoel Wenceslau Leite de Barros

Advogado, fazendeiro e poeta, nascido em Cuiabá, Manoel de Barros, em um estilo “surreal e pantaneiro”, mescla em seus versos elementos regionais e diversos dilemas existenciais. Seus Poemas Concebidos sem Pecado, obra de estreia, deixam claro como a realidade e contexto, sobretudo a natureza, compunham sua criação. “Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me domina.” Sua consagração como poeta se deu ao longo das décadas de 1980 e 1990 com diversos prêmios e títulos.

Angélica Freitas

Natural de Pelotas, Angélica Freitas é jornalista, escritora e poeta com grande produção na área da literatura comprometida com causas feministas. A atuação como jornalista fez a veia do engajamento político e social exacerbarem em sua obra. Além de escrever, também percorre o Brasil e outros países ministrando oficinas de poesia onde espera fazer crescer o gosto pela escrita e a leitura em outras pessoas. Presença marcante na internet, Angélica acredita que os blogs surgidos no início dos anos 2000 possibilitaram o aparecimento de vozes poéticas até então represadas.

Paulo Leminski Filho

O curitibano Paulo Leminski foi poeta, romancista, tradutor, compositor e ensaísta. Na chamada Poesia Marginal, fez história ao utilizar com maestria os elementos visuais da publicidade envoltos aos provérbios orientais e os trocadilhos da cultura popular em uma reunião de estilo única. Sua atuação como diretor de criação e redator em agências de publicidade influenciou sua produção poética e o aproximou de outro gênero, a música. Muitas de suas composições receberam melodia por artistas como Caetano Veloso, Ney Matogrosso e Arnaldo Antunes.

Lindolf Bell

O poeta catarinense Lindolf Bell também foi contador, professor, crítico de artes, conselheiro estadual da cultura do Estado de Santa Catarina e marchand. Os elementos da vida no campo sempre estiveram presentes em sua obra, mesmo com uma produção majoritariamente produzida em cenário urbano. O poeta fez questão de enaltecer sua relação com o passado dizendo que todas as coisas que o rodeavam eram na verdade suas raízes. Foi reconhecido nacional e internacionalmente como um homem que abrigava o mundo no coração, que amava os girassóis, que via tudo como missão, encarando a palavra como uma dádiva e fazendo dela um instrumento de comunhão e solidariedade.

Armando Freitas Filho

Nascido no Rio de Janeiro em 1940, Armando Freitas Filho fez sua estreia na literatura na década de 60. Desde aquele tempo demonstra toda sua compulsão pela escrita com vasta produção poética, que, além de extensa, é considerada uma das mais complexas e profundas da contemporaneidade, com ênfase na imaginação e musicalidade em seus versos singularmente controlados. Foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional, assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou.

João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa, nascido em Minas Gerais, contista, novelista, romancista e diplomata, produziu proficuamente em sua carreira e deixou como marca para a poesia a forma como conduziu a linguagem, quase como uma reinvenção da língua portuguesa. O seu modernismo nunca deixou de lado a valorização da cultura brasileira, mesmo sendo um diplomata e versado em pelo menos nove idiomas. Médico de formação, Guimarães Rosa ilustra em suas obras todo o encantamento das localidades rurais, sua realidade de pobreza, características periféricas e a maledicência da divisão do trabalho.

Vidocq Casas

O multiartista Vidocq Casas foi poeta, artista plástico, militante em defesa da vida, da natureza e dos direitos humanos. Nascido no Piauí, radicou-se muito cedo em Teresópolis onde criou a Oficina de Poesia e Criação ajudando na propagação do amor pela arte literária e incentivando o surgimento de novos talentos e artistas. Vidocq ficou conhecido pela sua arte e condução de vida como um ferrenho combatente na luta pela preservação da natureza. Figura importante e complexa da sociedade teresopolitana, Casas também contribuiu ao desenvolvimento de movimentos políticos relevantes na área ambiental e social.

Carlos de Assumpção

Um dos maiores nomes da literatura afro-brasileira, o poeta paulista Carlos de Assumpção é também conhecido por ser ativo e intenso participante da cena cultural brasileira, com inúmeras atividades artísticas, sociais e políticas vinculadas ao Movimento Negro. Sua voz forte e sempre incisiva tem entusiasmado as plateias com seus versos de denúncia de uma sociedade que discrimina e propaga o racismo. Entre seus temas, consta a luta pela quebra do mito da cordialidade no país, estabelecendo importante elo entre a ancestralidade africana e sua tradição oral com as formas modernas de expressão da consciência, entre elas a poesia.

Ana Cristina Cesar

A consciência crítica exacerbada aliada à pesquisa acadêmica como companheira de vida fazem da carioca Ana Cristina Cesar uma mescla entre a emoção e a educação pela arte. Para Ana Cristina, literatura e vida não podem ser dissociadas. Essa intensidade produtiva fez a artista passear pela poesia e a literatura, mas também pelo cinema, pela crítica e a tradução. Com uma poesia intimista, cuja marca maior é a capacidade de ser entendida, a artista sempre demostrou personalidade inquieta, traduzida em extensa produção de livros, periódicos, revistas de artes, críticas literárias e poemas.

Dom Pedro Casaldáliga

Nascido na Catalunha - Espanha, Dom Pedro Casaldáliga tornou-se bispo da Igreja Católica e fez história em nosso país como defensor dos “oprimidos”, tendo como alvos de sua atuação os posseiros e camponeses vítimas dos grileiros e latifundiários. Pela poesia ilustrou essa realidade, mas aplicou doses generosas de esperança e fé. Sua atividade pastoral e cultural era assim definida: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar.” O Bispo-poeta, autor de várias obras sobre antropologia, sociologia e ecologia, também foi alvo de inúmeras ameaças de morte, inclusive em meio ao regime ditatorial.

José Maria Carneiro

O poeta e artista José Maria Carneiro chegou ao Brasil vindo de Portugal com sua família ainda na década de 1940. Na cidade do Rio de Janeiro, encontrou na atuação como jornalista a aproximação com a prosa e a poesia que sempre o inspiraram, mas foi sua chegada a Teresópolis, no final da década de sessenta, que despertou no artista a vocação pela educação e a poesia. Fez da propagação da arte literária um objetivo de vida e, como artista, colecionou uma extensa produção. Sua poesia apresenta reflexos filosóficos que compuseram a vida do educador, viajante, aventureiro, empresário, negociante, escritor e chefe de família.

Maria Conceição Evaristo

Mulher, negra e pobre, a mineira Conceição Evaristo enxergou no dia a dia das mulheres negras, suas muitas histórias de superação e luta, a inspiração para a construção de emblemáticas protagonistas. No desfile entre realidade e ficção, sua obra passeia por inúmeras reflexões acerca do racismo estrutural e das profundas desigualdades raciais no Brasil. Romancista, poeta e contista, Conceição Evaristo é um dos grandes expoentes da literatura contemporânea, sendo sua obra considerada das mais fidedignas ao retratar situações de opressão racial e de gênero, além da luta pelo resgate da negritude brasileira.

Saul Mariano de Souza

As ciências exatas construíram uma competente carreira para o petropolitano radicado em Teresópolis Saul Mariano de Souza, mas foram as inspirações humanísticas e sociais que acabaram desencadeando profícua produção poética. Em sua Contínua Busca, o autor passeou e flertou por diversos temas relacionados ao convívio social, aos sofrimentos diários do ser humano, as suas alegrias e amores. Estudante e líder na primeira turma do curso de Administração da então Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Econômicas – FACCE, dá nome ao Diretório Acadêmico do mesmo curso do Centro Universitário Serra dos Órgãos – Unifeso.

Thiago de Mello

O poeta e tradutor Thiago de Mello é reconhecido como um verdadeiro ícone da literatura brasileira. Nascido no Amazonas, Thiago chegou a abandonar o curso de Medicina para seguir seu sonho e inspiração pela carreira literária. Intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos, preso pela ditadura militar no Brasil, em exílio morou em vários países. Manifestou em sua poesia o repúdio ao autoritarismo e à repressão, lutas que hoje parecem emergir novamente em nossa sociedade. Seu poema mais conhecido, Os Estatutos do Homem, foi musicado por Cláudio Santoro, abrindo a temporada de concertos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro no ano de 1985.

Ana Guadalupe

Ana Guadalupe, nascida em Londrina, Paraná, faz do cotidiano a sua poesia. Poeta, tradutora, redatora publicitária, Guadalupe ajudou a inaugurar um novo espaço democrático de produção poética e incentivou toda uma geração de jovens poetas escrevendo sobre a internet, na internet e com linguagem poética adaptada às redes sociais. Ana tem um humor peculiar e característico que talvez tenha sido o maior combustível na conquista de seu público. Assim como a efêmera duração do estado de coisas hiperconectadas que contextualizam sua inserção na poesia, Ana Guadalupe se renova a cada obra e demonstra amadurecimento, adaptação e forma poéticas próprias.