30/06/2021 13:01:37
Desde 2001, existe uma lei federal (10.216), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Porém, ainda hoje, existem cerca de 700 pessoas em internações de longa permanência no Estado do Rio de Janeiro, o que configura uma situação grave, que necessita de ações que revertam essa situação.
Ao longo dos anos, em todo Estado do Rio de Janeiro, através de uma prática que já foi muito comum, utilizou-se de internações psiquiátricas em instituições de caráter manicomial, em sua maioria de natureza privada com prestação de serviços para o sistema público. Com isso, nessas instituições, criou-se um grande número de pessoas com internações de longa permanência, superiores a um ano de internação. Este tipo de longa internação produz ruptura dos laços sociais, descaracterização dos traços pessoais e amplificação dos sintomas de distanciamento do campo social, próprios dos transtornos mentais.
O Centro Universitário Serra dos Órgãos, através do curso de Medicina, tem feito, há muitos anos, um importante trabalho na área de Saúde Mental, com experiência reconhecida em desinstitucionalização, ou seja, com a transferência de pacientes em regime manicomial para formas mais humanizadas de tratamento. Um caso de sucesso foi implementado no município de Carmo, onde os alunos do curso de Medicina fazem o rotatório do internato em Saúde Mental. Por isso, a Coordenação de Atenção Psicossocial e a Superintendência de Atenção Psicossocial e Populações em Situação de Vulnerabilidade, da Secretaria de Estado de Saúde, convidaram o Unifeso para fazer o censo psicossocial da Clínica de Repouso Santa Lúcia, notório hospital psiquiátrico da Região Serrana.
A Prefeitura de Nova Friburgo publicou um decreto, no dia 14 de maio de 2021, determinando uma intervenção administrativa na Clínica Santa Lúcia, que atende 160 pacientes psiquiátricos no distrito de Mury. A medida atende uma recomendação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), que esteve em 2019 na clínica e constatou precariedade do espaço e no trato com os internos.
De acordo com a ação, o MPRJ recebeu denúncias de que internos estariam sendo negligenciados, diante da aplicação inadequada de medicamentos, alimentação e falta de higiene, assim como a possível ocorrência de agressões físicas e psicológicas. Ainda segundo as apurações, equipes técnicas vistoriaram o local várias vezes e constataram, além destas, a manutenção de internos em condições de receber alta clínica para acompanhamento domiciliar.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES), já há muitos anos, tem trabalhado junto aos municípios os processos de desinstitucionalização de várias clínicas. Esses processos são constituídos pelo fortalecimento da rede de saúde mental territorial, com ênfase na abertura de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) e na ampliação dos recursos de atenção à crise, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral; e pela saída dos internos de longa permanência através da identificação das pessoas, de suas histórias e da elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS).
O curso de Medicina do Unifeso foi convidado pela SES para uma parceria com o intuito de fazer um censo psiquiátrico dos internos da Clínica de Repouso Santa Lúcia, com avaliação clínica, recolhimento de informações de identificação do usuário e construção de Projetos Terapêuticos Singulares para reinserção social. “O Ministério da Educação determina que haja um módulo de Saúde Mental no ensino médico. O Unifeso optou por inserir os estudantes do Internato nas Redes de Apoio Psicossocial (RAPS) do município de Carmo e, agora, em Nova Friburgo. Os alunos estão desenvolvendo o censo há pouco mais de três semanas, acompanhados de uma equipe multidisciplinar da SES e das equipes dos municípios internantes, ou seja, dos municípios de origem dos pacientes internados na Santa Lúcia”, explica do professor Marcos Argolo, supervisor do Internato de Saúde Mental do Unifeso.
Os estudantes fizeram a avaliação de 114 internos de longa permanência. A definição dos usuários entrevistados se deu por uma divisão por município de origem, mantendo um número de entrevistas proporcional por dia. O MPRJ determinou, na Ação Civil Pública, que os 16 municípios da região, que enviam pacientes para a Clínica Santa Lúcia, “criem suas respectivas RAPS, de modo a garantir um atendimento humanizado, dentro dos parâmetros da legislação em vigor, visando a efetiva implementação do projeto de desinstitucionalização”.
“Para nós, estudantes, esse trabalho está sendo uma experiência e construtiva. Estamos conseguindo ver um quantitativo alto de pacientes por dia e muitos deles ainda precisam de ajuste de medicação e de melhores terapêuticas. A participação do Unifeso no censo é muito importante para a validação científica de todo o processo”, afirma Bernardo Paixão Morales, estudante do 9º período do curso de Medicina.
A estudante Clara Negreiros de Oliveira, também do 9º período, concorda. Ela conta que o aprendizado tem sido grande. "É muito interessante vermos algo que nem imaginávamos que ainda existia: um hospício. É gratificante demais saber que estamos contribuindo para a mudança da vida de vários pacientes, pois somos nós que avaliamos e indicamos se o paciente vai voltar a morar com a família ou se vai para uma residência terapêutica, por exemplo. Há muitos doentes com medicação errada, aprendemos muito sobre os medicamentos e os efeitos a longo prazo", destaca.
Por Juliana Lila